TV DIGITAL - A TV digital e a cópia da programação
Artigo publicado originalmente na Folha de São Paulo.
Uma decisão importante está para ser tomada pelo governo federal. Ela irá definir se a TV digital brasileira adotará ou não o sistema de restrição anticópia. Parece questão menor, mas não é. Se esse sistema (chamado DRM) for implementado no Brasil, o direito de decidir como usar o sinal da televisão sai da mão do consumidor e passa a ser das emissoras. Em outras palavras, caberá às emissoras decidir se o consumidor tem ou não o direito de gravar os programas que passam na TV. Elimina, na prática, uma liberdade que sempre existiu.
A medida tem um impacto negativo que não pode ser ignorado. O primeiro é econômico. Para incorporar a tecnologia anticópia, os fabricantes dos conversores da TV digital deverão pagar anualmente para usar a tecnologia, que pertence a um consórcio internacional de empresas. Esse valor é repassado para os consumidores ou contribuintes na forma de subsídios fiscais concedidos aos fabricantes.
No entanto, o custo não se reverte em benefício. O consumidor ou contribuinte acaba financiando um sistema que não lhe interessa, que, na verdade, reduz a utilidade da TV digital. Paga para levar menos. Mesmo que os fornecedores do produto se disponham a subsidiar os custos da medida, estão comprando uma liberdade que não foi negociada e que não está à venda.
Isso leva ao segundo impacto, que é jurídico. Nos Estados Unidos, país no qual a TV digital se encontra mais disseminada, a adoção do sistema anticópia foi firmemente repelida, inclusive judicialmente, sob o argumento de inconstitucionalidade.
No Brasil, a inconstitucionalidade é a mesma. A televisão aberta é um serviço que compete à União. A nossa Constituição Federal utiliza as palavras "livre e gratuita" para qualificá-la, concedendo inclusive isenção fiscal quanto ao imposto sobre comunicações. Dessa forma, com a instalação do sistema anticópia, a televisão pode até continuar a ser gratuita, mas deixa de ser "livre".
Além disso, a lei de direitos autorais permite expressamente modalidades de utilização legítima da programação de TV. Com o sistema anticópia, a tecnologia não tem como distinguir a natureza da utilização a ser feita dos programas. Os bons e os maus usos são tratados da mesma forma: são igualmente impedidos.
O terceiro e talvez mais importante impacto é político. Mecanismos de restrição tecnológica, como esse que se propõe adotar para a TV digital no país, são sabidamente ineficazes. O sistema que impede a cópia de DVDs é resultado de um consórcio de empresas que investiu vários anos e vultosos recursos em sua criação. Foi eliminado por um garoto de 16 anos. E a história se repete agora com a nova geração de discos de alta definição (Blu-ray e HD DVD), cuja proteção também já foi quebrada.
Por isso, empresas de todo o mundo estão abandonando a utilização desses mecanismos, por perceberem que se trata de dinheiro jogado fora. Em outras palavras, quem de fato deseja distribuir conteúdo ilegalmente com fins comerciais continua a poder fazê-lo. O consumidor de boa-fé acaba sendo o único afetado.
No Brasil, o serviço de televisão é regido pelo interesse público. Um sistema político que permite a adoção de um sistema sabidamente ineficaz, que implica custos para o consumidor e nenhum benefício a ele é um sistema político defeituoso. Ou, ao menos, está dando importância demasiada a poucos interlocutores.
Em tal situação, caberá ao Poder Judiciário decidir sobre a legalidade da medida em eventuais ações propostas por consumidores e contribuintes.
*Ronaldo Lemos, é mestre em direito pela Universidade Harvard (EUA) e doutor em direito pela USP, é professor da Escola de Direito da FGV-RJ, onde é diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade. É autor, entre outras obras, de "Direito, Tecnologia e Cultura".
Contribuição - Estagiário David Amen 6º período de Jornalismo da FACHA - RJ
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